terça-feira, junho 14, 2005

As minhas recordações de Cunhal - parte I

Nasci no ano do 25 de Abril e desde sempre que me interesso por política. Influenciando pelo meu pai, comecei a ouvir as discussões sobre política com atenção, mas sem consciência ou capacidade para distinguir a verdade da mentira. Sá Carneiro, Mário Soares, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal foram os quatro políticos que "conheci". Oliveira Salazar só veio mais tarde.
Recordo-me de uma revista satírica do Vilhena que retratava os quatro principais líderes do período pós-revolucionário. As imagens mais marcantes dos cartoon's eram as bochechas de Soares e as sobrancelhas negras carregadissímas de Cunhal.
O "comuna" Cunhal e os seus camaradas comunistas que "comiam criancinhas ao pequeno almoço" fazem parte do meu imaginário infantil. Os insultos de míudo traquina que dirigia ao líder do PCP sempre que o via nos tempos de antena dos períodos eleitorais devem ser a minha primeira mensagem política. Inconsciente, fútil e desprovida de sentido, é certo, mas isso não impedia que os meus "adversários" políticos fossem os "comunas" e a sua ditadura vermelha. Onde nasci não haviam muitos militantes do PCP, logo os miúdos da terra tinham muitos poucos da sua altura com quem embirrar. Restavam-nos os tempos de antena da televisão.
Curiosamente, o PCP não é a organização que a minha memória identifica cronologicamente com os comunistas, mas sim a famosa APU. Para quem não saiba, estou a falar da Aliança Povo Unido, a frente eleitoral que congregava o PCP e o MDP/CDE, salvo erro, e era uma resposta à AD e à Frente Republicana Socialista de Soares e de Sousa Franco. Todos os míudos anti-comunistas caíam sempre no facilitismo de fazer rimar APU com uma determinada parte do corpo humano... o que dizia muito da nossa consciência política.
Isto tudo tem a ver com Álvaro Cunhal. Bem vistas as coisas, Cunhal fez mais pelo meu precoce interesse pela política do que qualquer outro líder partidário português. O meu anti-comunismo precoce e primário nasceu com o primeiro líder comunista que "conheci". O seu ar frio, duro e seco, conjugado com a educação conservadora e anti-comunista que tive, gerou a minha "repulsa" política pelo secretário-geral do comunistas. Tinha 6 anos.

Álvaro Cunhal morreu aos 91 anos. Hoje, aos 31 anos, depois de ter estudado, e continuar a estudar, o século XX português, cumprimento respeitosamente a figura histórica de Cunhal. Continuo anti-comunista, discordo totalmente do ideal que guiou a vida do líder histórico do PCP, mas presto o meu respeito a um português culto, inteligente e lutador corajoso por aquilo que entendia ser o melhor para Portugal.

1 comentário:

Corvus Corax disse...

Ah... Como me lembro dos tempos em que ia de bata para a pré-primária e no caminho de casa até à escola, olhava para os muros e paredes da cidade (de outra que não esta) e via espalhados os cartazes da AD e da APU. Os da AD enchiam-me de orgulho e confiança, os da APU davam-me vontade de rir. Na classe, reunidos em mesas de quatro, enquanto pintavamos ou brincavamos com as plasticinas, ia-mos conjecturando de quem gostavamos ou não na turma. A rotulagem era fácil, quando não gostavamos ou queriamos magoar alguém dizia-mos: "Tu és da APU" e lá começava um a chorar!